«A resistência da imagem» in Sometimes the best way to find something is to move away from it (pp. 57-63). Vila do Conde: Solar - Galeria de Arte Cinemática. ISBN: 978-972-98574-3-0.
Exposição: Pedro dos Reis – Sometimes the best way to find something is to move away from it
Curadoria: Sandra Vieira Jürgens
Local: Solar - Galeria de Arte Cinemática, Vila do Conde
Data: 26.11.2011 – 12.02.2012
A obra de Pedro dos Reis, presente na Solar, caracteriza-se por um exercício de contínuo deslocamento entre imagens, paisagens, contextos e experiências no espaço e no tempo. Essa é uma das questões centrais do seu projecto, que se reflecte tanto no plano temático das suas imagens como nos meios e dispositivos técnicos que usa para instalar a peça no espaço.
Se o título Sometimes the best way to find something is to move away from it faz primeiramente referência a uma experiência pessoal do autor, como esclarece em conversa com Miguel Palma reproduzida neste catálogo, o foco deste trabalho transcende esse âmbito biográfico, constituindo um modo de reflexão sobre como habitamos e estamos no mundo. Pedro dos Reis viveu em Nova Iorque entre 2004 e 2010, encetando no ano de regresso a Portugal um processo de reconstrução de memórias, de relações, de percursos e de espaços. Esse retomar, mais do que um reconhecimento do que foi deixado para trás, é um despertar de consciência sobre a sua própria condição e o mundo que o rodeia. Através das suas imagens e de referências ao espaço em que se encontra, demorada ou fugazmente, Pedro dos Reis assinala as observações, mostrando como vê e sente o espaço que percorre. Assim, o que ele fundamentalmente analisa é a real percepção ou transformação da nossa experiência na forma como podemos revisitar, redescobrir e reconstruir a relação que mantemos com os espaços envolventes.
Através de imagens registadas em diferentes paragens, sobretudo em Lisboa e Vila do Conde, o autor constitui uma sucessão narrativa de imagens que, apesar de realizada especificamente para esta exposição, situa-se numa linha de continuidade em relação aos temas presentes em anteriores trabalhos seus, produzidos sobretudo nos Estados Unidos, onde no domínio da fotografia captou diferentes aspetos e contextos da cultura urbana. Assim acontece na série Notes – one urban short story (2008) e Case Study (2011) onde elabora o que define como imagens-pensamento, que formam ensaios visuais, registando pessoas, ambientes e observações diárias, por vezes acompanhadas de elementos textuais, que procuram criar significado na forma como habitamos a cidade e vivemos a relação com o espaço.
Não obstante essa continuidade temática, existe contudo, neste projecto realizado para a Solar, uma diferença na forma como Pedro dos Reis aborda e apresenta a sua obra. Ela é singular à luz de parte significativa do seu percurso, na medida em que constitui um desvio relativo aos materiais com que normalmente desenvolve o seu trabalho. Aqui Pedro dos Reis explora intensamente a ideia de deslocamento dos meios, ao descentrar a sua prática dos parâmetros especificamente fotográficos para o domínio da instalação. Se uma boa parte das suas obras são realizadas com recurso à fotografia e ao vídeo, neste caso, o trabalho que apresenta escapa ao domínio mais restritivo destas disciplinas. Sometimes the best way to find something is to move away from it consiste na apresentação de dois projectores de carrossel carregados com 80 fotografias cada, transferidas para os diapositivos a projectar.
Neste sentido Pedro dos Reis desenvolve novas experiências relacionadas com a relação entre as imagens fixas e em movimento. Constituída a partir de diapositivos, tratou-se de dar movimento ao encadeamento das imagens. Mas conferir a ilusão de movimento à fotografia através do dispositivo de projecção, ou aproximar-se conceptualmente da linguagem cinematográfica, não são as intenções relevantes da operação: ao criar um mecanismo de sobreposição de imagens, projectadas no mesmo plano, o autor conduz a um processo de leitura que privilegia a conexão das imagens e a sucessão e encadeamento do conjunto em detrimento da unidade do plano. A nova imagem interfere com a anterior e assim sucessivamente, tal como se todas elas estivessem encadeadas umas nas outras. Mais do que a fotografia, valoriza-se o conjunto, a sucessão de imagens.
A projecção não se fixa numa imagem, avança para outras paragens, como num mecanismo relacional que, em detrimento da lógica da individualização da fotografia, da estabilidade e da contemplação da imagem, engendra o desenrolar de imagens, a sequência da projecção. O que importa é o fluxo. Não deixa de ser interessante que em torno de cada imagem nasçam outras, formando-se um campo de impressões que escapam à fixação ou determinação do lugar. O que ocorre é a ilusão de permanência simultânea em diferentes espaços ou uma situação de referência reiterada, em que uma imagem se refere a outra, que se refere a outra ainda, sem que possamos saber qual é o ponto inicial. O reconhecimento afinal dilui-se, e essa indefinição adensa-se.
Este processo de perda de autonomia da imagem é acompanhado pelas possibilidades de construção de espaços e relações que configuram, material e simbolicamente, um território comum. Não apenas em relação ao registo fundido e sequencial das imagens, mas nas alterações produzidas no acto de recepção. Ao entrar no espaço expositivo, o visitante depara-se com um exercício de montagem dinâmica, que o interpela directamente, e cuja instalação convida à participação, à integração, à deslocação e prospecção activa no espaço, num envolvimento pouco compatível com a tomada de posição contemplativa.
E o imprevisto pode sempre acontecer. Como Nestor Garcia Canclini afirma num texto de 2009, não existe a categoria «o público», «os visitantes», «os leitores», pois estes modificam ou recriam o significado das obras em distintas direcções, de modos imprevistos pelos autores e pelos curadores[1].
Footnotes
- ^ Nestor Garcia Canclini, «¿De qué hablamos cuando hablamos de resistencia?» in Estudios visuales, n. 7, Dezembro de 2009, pp.16-36.