David Santos: Entrevista

Museu do Neo-Realismo

Entrevista a David Santos, publicada na Artecapital, Outubro 2009.

A história da arte é muitas vezes injusta. Mas não tem um curso certo nem definido para todo o sempre. É imprevisível. Faz-se e revê-se. E há finais felizes. Até há bem pouco tempo o neo-realismo era o movimento mais «esquecido» da história da arte portuguesa. Ora, o «novo» Museu do Neo-Realismo celebra dois anos de existência e tem cumprido uma intensa programação de actividades culturais que ajudaram a conhecer e a contextualizar melhor os trabalhos dos artistas e escritores neo-realistas. A sua zona de inscrição temática tem potenciado dinâmicas de pesquisa e investigação que cruzam diferentes áreas artísticas, mas não só, o museu ambicionou muito mais. São muitas as suas outras dimensões de intervenção, como nos explica David Santos, o seu director.
 

Esta entrevista surge por ocasião do segundo aniversário do Museu do Neo-Realismo e gostaria que descrevesse, sucintamente, qual é a missão deste museu e quais são os objectivos de direcção da instituição?

Um museu temático como o Museu do Neo-Realismo tem como missão principal desenvolver, aprofundar e investigar o seu património específico, apresentando regularmente ao público o resultado desse trabalho. Neste sentido, o museu tem desenvolvido um trabalho sistemático de conhecimento e avaliação do espólio que tem à sua guarda, o qual integra cerca de trinta espólios literários, cinco espólios editoriais, quatro espólios artísticos e duas centenas e meia de obras de arte. Independentemente da questão do número de espólios, documentos ou obras, há essa obrigatoriedade de compreender com distanciamento crítico e científico um dos movimentos culturais mais decisivos do século XX português. Na verdade, o movimento do neo-realismo merece todo o nosso empenho e dedicação, e o Município de Vila Franca de Xira tem vindo a compreender a importância e o potencial que representa em termos culturais esta tutela. Por isso, foi erigido há dois anos um edifício de raiz, projectado pelo Arq. Alcino Soutinho, que constitui hoje uma referência na malha urbana da cidade, assumindo-se como um espaço museológico aberto, versátil e apelativo também em termos arquitectónicos. Nessa medida, o espírito de missão que alimenta a equipa do museu tem muito a ver com o respeito que temos necessariamente pelo neo-realismo, mas também pela ideia que temos vindo a sublinhar de que o neo-realismo, sobretudo na sua reivindicação de uma arte politizada ou de inspiração social, de preocupação humanista e desejo de uma maior intervenção nos destinos colectivos, representa um conjunto de valores que não são exclusivos do seu momento histórico. A lógica de exigência cívica que os neo-realistas nos legaram não deixa de estar presente na arte contemporânea, na literatura dos nossos dias, no cinema documental, numa série de áreas da nossa criatividade mais actuante. O neo-realismo é, de facto, um movimento muito mais presente nos nossos dias do que seria suposto e é essa ponte com a contemporaneidade que nos interessa desenvolver de um modo que favoreça ao mesmo tempo uma leitura mais sólida e fecunda sobre o próprio movimento neo-realista.

Quando assumiu o cargo de director, quais foram as suas principais referências no campo da museologia?

Responderia a essa questão lembrando que o Museu do Neo-Realismo não nasceu em Outubro de 2007. É um museu que apresenta já um longo historial. Nasceu no início dos anos 90, da vontade de uma Associação Promotora dinâmica e persistente, liderada por António Mota Redol (filho do escritor Alves Redol), que levou ao Município a ideia de um museu dedicado ao neo-realismo. Após algumas hesitações, o projecto avançou finalmente, ainda que funcionasse durante mais de quinze anos em instalações provisórias bastante exíguas, apresentando apenas uma exposição permanente algo redutora, conduzida por uma leitura historicista. Mas a verdade é que para além de um centro de documentação que funcionou muito bem durante esse período, o museu não tinha equipamento nem condições orçamentais para apresentar uma programação mais ambiciosa, de carácter vincadamente museológico. Durante esse tempo, o Museu do Neo-Realismo foi fundamentalmente um centro de documentação para investigadores, com uma pequena exposição permanente em órbita da qual se gerou um princípio de pequenas exposições temporárias que foram organizadas em galerias municipais pela Associação Promotora do museu. Quero dizer, este é um museu com uma série de especificidades históricas que determinaram o seu código genético. Esse «antigo museu» foi de algum modo substituído pelo actual, embora estejamos sempre a falar do mesmo. Acontece que a dimensão e as valências do novo equipamento obrigaram a uma reestruturação praticamente completa do programa museológico desta instituição. Assim, muito embora exista desde 1990, para muitas pessoas parece que só existe efectivamente desde 2007, quando se passou a assumir uma lógica programática de afirmação cultural mais ambiciosa e de âmbito nacional. Quando fui chamado, em 2006, a desenvolver um projecto museológico baseado numa programação activa e o mais plural possível dentro do âmbito temático do museu, compreendi que era necessário repor os estudos sobre o neo-realismo num contexto mais abrangente e sobretudo ligado à nossa contemporaneidade. E essa alteração foi absolutamente determinante para termos hoje um Museu do Neo-Realismo capaz de ombrear com os melhores museus do país, pois é uma instituição que para além de focar o movimento neo-realista, tem conseguido olhar para as novas gerações de criadores, atraindo um público mais jovem, de gerações que quase desconhecem o neo-realismo. Por isso, o museu procura ligar o movimento com a nossa produção artística e literária contemporânea. Esse foi sempre o mote do meu envolvimento e participação neste projecto. O próprio projecto de arquitectura explorava já a necessidade dessas novas valências programáticas. Havia assim que desenvolver um programa que exigisse um maior esforço da autarquia e de todos os agentes envolvidos na sua concretização. Hoje, o museu dispõe de um auditório para cerca de 100 pessoas, salas para exposições temporárias, que podem ser de arte contemporânea, como acontece com o ciclo The Return of the Real, como de literatura contemporânea, como acontece no piso 0, onde estamos, de momento, a fazer uma revisão interpretativa em torno de alguns dos escritores que passaram pelo neo-realismo. Privilegiamos assim uma particular participação da contemporaneidade, como pode ser constatado, por exemplo, na actual exposição dedicada ao escritor Urbano Tavares Rodrigues. Estamos de algum modo a fazer exposições biobibliográficas que apresentam simultaneamente um sentido de homenagem mas também um sentido crítico sobre o percurso literário de figuras como Baptista-Bastos, Mário Braga, Urbano Tavares Rodrigues, Arquimedes da Silva Santos, ou, num futuro próximo, como António Borges Coelho e Matilde Rosa Araújo. Com estas iniciativas estamos de certa forma a fazer a passagem de testemunho entre as novas gerações e os intelectuais ou escritores que estiveram de algum modo ligados ao movimento em certas fases do seu percurso literário, mas que ao mesmo tempo ainda produzem e publicam. Muito provavelmente no futuro essa sala de exposições dará lugar a um conjunto de exposições de escritores mais jovens, ainda assim preferimos começar por aí. No caso da arte contemporânea, já não se coloca a mesma questão, pois não há artistas a produzirem obras de expressão neo-realista, ao contrário do que acontece com o surrealismo, em que existem artistas contemporâneos a produzir em torno desse universo específico. Era para nós bastante evidente que o piso 0 do novo museu apelava à organização não só de exposições como de sessões no auditório, encontros culturais que, no fundo, absorvessem bem uma atmosfera contemporânea, mesmo que muitas dessas sessões se baseassem numa determinada relação, temática ou outra, com o próprio movimento neo-realista. Mas para responder à parte inicial da sua pergunta, sobre os modelos museológicos que nos inspiraram, diria que são diversos, entre os que representam um modo de pensar e reflectir temas concretos e aquelas instituições que conseguem conciliar diversos níveis de participação e interesse do público. Há ainda o modelo ou a ideia de um «centro cultural» de grande transversalidade que consiga captar a atenção dos que já se interessam pelo neo-realismo e ainda daqueles que, aos poucos, por outras vias paralelas ou perpendiculares, possam vir a frequentar este museu. Ele não deixa de ser também pensado, nessa medida, como um «centro cultural» actuante, onde se realizam sistematicamente exposições temporárias e onde se desenvolve uma programação intensa e diversificada. É essa ideia que nos levou a fazer, por exemplo, uma exposição de design contemporâneo bastante politizado do grupo Infracções, de Luísa Coder e José Russell, ou fazer uma exposição sobre Fotografia dos anos 50 (em parceria como o Museu Nacional de Arte Contemporânea – Museu do Chiado), ou no futuro a fazer uma exposição sobre arquitectura «politizada». Estamos deste modo a cruzar um público interessado em design com um público interessado em fotografia ou em arquitectura, e essa é uma necessidade, quanto a nós, de alargamento de públicos que um museu temático deve seguir obrigatoriamente, para não cair num afunilamento próximo de uma homenagem laudatória e inconsequente. Poderíamos fazer apenas um museu historicista, sobre a memória do que foi o neo-realismo, mas, na minha opinião, com esta relação estabelecida com outras disciplinas e com a criatividade contemporânea mais politizada, estaremos de facto a fazer a melhor homenagem possível ao neo-realismo, fazendo com que os neo-realistas não sejam lembrados e pensados apenas como valor histórico, mas como valor relacionável com a nossa criatividade actual.

Como é que decide que artistas convidar? Estar próximo de uma arte mais politizada ou crítica é um critério?

Será de algum modo polémico chamar arte politizada a algumas das intervenções apresentadas, mas diria que a linha condutora do ciclo The Return of the Real é apresentar alguma da arte portuguesa mais crítica revelada sobretudo a partir do início dos anos 90 até à actualidade. A próxima programação já terá, inclusive, artistas de uma geração mais recente e trata-se sempre de encontrar uma produção artística que de facto faça apelo a questões políticas e sociais sem nunca abdicar de uma exigência crítica sobre o nosso mundo actual, contrariando assim a homogeneização cultural que o capitalismo introduziu e exponenciou. O que nos interessa com este ciclo é a tentativa de identificar a arte contemporânea com um reduto de pensamento crítico, capaz de desestabilizar os estereótipos e aquilo que são as ideias mais comuns relacionadas com a produção cultural e artística. É nesse sentido que o ciclo The Return of the Real tem apresentado obras de artistas com uma produção, quanto a mim, marcadamente politizada, mesmo quando, por vezes, os próprios artistas não gostam muito desta conotação. Mas eu diria que isso acaba por ser evidente em todos eles. Todavia, em relação às exposições do museu mais ligadas à contemporaneidade, nem todas estão integradas no ciclo de arte contemporânea The Return of the Real. É o caso da exposição de Design que neste momento está no piso 1 e das exposições que estamos a programar relativamente a disciplinas como a arquitectura ou a fotografia. O ciclo de arte contemporânea tem uma sala própria mas pode extravasar para a recepção, para o átrio, onde se estabelece uma forte relação com a rua principal da cidade. Por vezes, realizam performances fora do edifício, como aconteceu com a Alice Geirinhas, que apresentou uma performance intitulada Palácio de Cristal que era realizada numa das fachadas de vidro do edifício, e que, para assistir à performance, tínhamos de estar no exterior do edifício. De outro modo, Miguel Palma, no âmbito do projecto Sementeira realizou uma performance num jardim de Vila Franca em torno da peça com o mesmo nome, esse aparelho que é uma obra de arte de face funcional. Esta foi também uma forma de mostrar que o museu também sai das suas quatro paredes e sai do seu âmbito mais restrito de espaço museológico. Hoje, o ciclo The Return of the Real já conquistou o seu lugar na orientação programática do Museu do Neo-Realismo, mas foi uma conquista bastante difícil junto de algumas pessoas que criaram uma expectativa estanque sobre o museu, defendendo que este deveria estar exclusivamente ligado ao movimento neo-realista.

Como tem sido a recepção do público em relação às exposições temporárias e qual o seu grau de tolerância face a essas propostas?

Diria que algumas destas exposições acabaram por ter eco junto de certos órgãos de comunicação social. Isto é, tiveram boa crítica, inclusive no modo como se foi sublinhando o sentido específico de ligação dessas propostas à temática do museu, o que ajudou a desmistificar a ideia de que a arte contemporânea estaria no museu de um modo um pouco forçado. Desde o início, soube o que pretendia com este ciclo, nunca teria a arte contemporânea no museu apenas por uma questão de obrigatoriedade, de moda ou de circunstância que pudesse dar mais visibilidade ao museu. Acredito que a arte contemporânea também ajuda a dar visibilidade a uma instituição cultural museológica, ou a um museu temático como é o caso, mas não o fiz com esse intuito. Estou plenamente convencido que esta via concreta que liga a produção contemporânea mais politizada a valores herdados do neo-realismo, não só seduz um público mais jovem como ajuda a ligar esse público à história do neo-realismo. Estamos a falar de uma ligação que pode ser vista como mais ou menos directa, mas passaram todos a reconhecer que ela existe, reforçando o sentido e pertinência do ciclo de arte contemporânea. Hoje, já não pode ser considerado apenas uma parcela do nosso projecto museológico, mas como um eixo da sua própria consolidação. É algo que as pessoas identificam como uma espécie de bolsa de arte politizada que já não se vê tanto noutras instituições museológicas e que aqui continua a fazer sentido, pois tem uma ligação com o próprio tema do museu. O público local tem aderido progressivamente e de um modo cada vez mais positivo, e quem duvidava de algum modo do sentido desse ciclo, passou a ter uma opinião diferente. Diria ainda que, neste aspecto, não dá para distinguir o público que nos visita, no sentido de saber se há um público específico para a arte contemporânea, por oposição às exposições dedicadas ao neo-realismo. No nosso museu a tendência é para o público visitar no seu conjunto todas as exposições que apresentamos. Sobretudo porque a entrada é gratuita, e as pessoas não têm de escolher entre uma exposição e outra. Quem vai ver arte contemporânea não deixa de visitar também o neo-realismo, e vice-versa. Concluindo, diria que este ciclo tem sido absolutamente decisivo para a afirmação da diversidade cultural do museu e sentimos que a arte contemporânea pode ser, juntamente com outras áreas disciplinares da nossa cultura, um veículo de alargamento e de melhor compreensão sobre o movimento do neo-realismo. Por exemplo, sem este ciclo de arte contemporânea, alguns investigadores da área do neo-realismo nunca teriam feito este cruzamento, não teriam realizado esta ligação. Do mesmo modo que algumas pessoas da área da produção contemporânea ou os visitantes que foram ao museu para assistir aos ciclos sobre literatura contemporânea ou de cinema documental, acabaram por levar para casa uma ideia diferente e menos estereotipada do neo-realismo. Penso, portanto, que esta ligação entre o neo-realismo e a cultura contemporânea beneficia os dois campos, tendo sido essa a nossa intenção inicial quando estabelecemos o presente programa museológico.

O neo-realismo foi um movimento da história da cultura portuguesa muito injustiçado, mesmo do ponto de vista académico. As actividades do museu contribuíram para modificar essa leitura?

Sou suspeito para falar sobre isso, porque em causa própria é sempre complicado opinar, mas antes de abraçar este projecto, enquanto investigador, partilhava de alguns desses clichés e preconceitos que acentuavam uma certa menoridade do movimento neo-realista por comparação, por exemplo com a literatura existencialista ou do surrealismo, ou, nas artes visuais, por comparação com o liberdade poética do surrealismo ou com o abstraccionismo dos anos 50. Enfim, essa é a imagem que uma certa historiografia portuguesa quis deixar. O Museu do Neo-Realismo, ao convidar uma série de investigadores a debruçarem-se de novo sobre este movimento e a observarem a sua produção em diferentes disciplinas, levou a que uma investigadora como Bárbara Coutinho relacionasse arquitectura e neo-realismo ou que Emília Tavares trabalhasse a relação da fotografia com o movimento. A juntar a outros investigadores que já se dedicavam à área da literatura ou às artes plásticas, procurou-se repensar o próprio movimento e a sua importância e, progressivamente, no decurso destes dois anos ficou provado que o neo-realismo é um movimento que está mal estudado, é um movimento que está pejorativamente associado a um partido político, o Partido Comunista Português, e à sua ortodoxia. Há sem dúvida nos anos 50 uma tendência para fechar o movimento, mas não é por acaso que ele também se asfixia quando isso acontece. Porém, dos anos 30 até ao início da década de 50, há um extraordinário momento de liberdade criativa, marcado por uma grande pluralidade formal, artística e literária ao contrário daquilo que se tem escrito. Diria que, aos poucos, nós temos vindo a observar o neo-realismo de um modo mais desapaixonado, reconhecendo cada vez mais a qualidade, a diversidade artística e formal dos escritores e artistas neo-realistas que, se por um lado se preocupavam muito com a mensagem das suas obras, não deixaram nunca de ser artistas, isto é, não submeteram a sua grandeza criativa aos ditames de uma mensagem política fechada. Ao contrário do que foi muitas vezes divulgado, não foi a questão da mensagem ou a preocupação com o conteúdo que diminuiu a carga formal e a qualidade artística da sua produção. Quando nós observamos, por exemplo, na área das artes visuais, a pintura da fase neo-realista do Júlio Pomar, identificamo-la muito mais com o modernismo, o pós-cubismo, o expressionismo alemão do que com qualquer ortodoxia naturalista ou académica, inspirada no realismo socialista. Esse é um cliché que existe há décadas, eu diria que instaurado pela historiografia de José-Augusto França e perpetuado por outros depois dele sem qualquer observação directa ou desapaixonada dessas mesmas obras. Propagou-se erroneamente a ideia de que o neo-realismo é uma imitação ou uma adaptação a Portugal do Realismo Socialista Soviético. Na verdade, o neo-realismo tem uma qualidade formal inquestionável e até evidente, basta observar as suas obras com um pouco mais de dedicação para percebermos a sua riqueza, a sua filiação no modernismo europeu, no modernismo mexicano e norte-americano inclusive, brasileiro também, ou seja, é muito mais diversificado o leque de referências dos nossos neo-realistas do que aquilo que se foi divulgando. A historiografia e a crítica de arte portuguesa dos anos 50, 60, 70, fez com que até muito tarde o neo-realismo fosse ostracizado e desde o seu início foi atacado por duas vias: pela via do Estado Novo, por razões políticas, e em certa medida por via dos seus opositores, dos surrealistas e abstraccionistas nas artes plásticas, ou dos existencialistas, por exemplo, na literatura. Não é por acaso que a maior parte dos artistas da terceira geração modernista passou pelo neo-realismo na segunda metade dos anos 40. Para alguns, o neo-realismo significava então uma esperança política, em certa medida também, conduzida ou determinada pela criatividade. Por exemplo, entre 45 e 49, a quase esmagadora maioria dos artistas e dos escritores portugueses estavam apaixonados pela ideia de intervenção política que o neo-realismo prometia. Todavia, essa esperança política morreu com a desistência da candidatura de Norton de Matos, e da desilusão política que esse facto significou, passaram a atacar também frontalmente o compromisso que o neo-realismo tinha com a mensagem ou o conteúdo. Mas isto deu-se apenas quando se percebeu que afinal não haveria mudança democrática no pós-guerra em Portugal e penso que isso arrastou o neo-realismo para uma espécie de esquecimento inglório e, no essencial, injusto. É curioso que, na sequência dessa desilusão política, alguns artistas e escritores chegaram mesmo a renegar a sua fase neo-realista. Lembro, por exemplo, na literatura, o caso do Vergílio Ferreira. Os seus romances O caminho fica longe ou Vagão J apresentam nítidas características neo-realistas, que não tendo sido absolutamente renegados pelo escritor, levou-o a quase esquecê-los na sua bibliografia. O próprio Vergílio Ferreira será pouco depois dos que mais atacarão o neo-realismo, chamando «neo-realeiros» aos escritores que ainda se mantinham vinculados ao movimento. No caso das artes plásticas, Júlio Pomar não renegou essa sua fase artística, e prova disso mesmo foi a sua disponibilidade para colaborar com o museu na produção da exposição que dedicámos em 2008 à sua fase neo-realista mas, de algum modo, tende a reduzir essa fase a um momento de aprendizagem. Porém, se observarmos as obras e ainda a produção teórica desse jovem Pomar percebemos que ele não só tinha já um pensamento bastante estruturado, mas também muito esperançado no objectivo de uma transformação social por via artística. Já nos anos 50, Pomar tende a esquecer esses valores artísticos para acentuar caminhos de uma gestualidade abstracta já sem esperança de intervenção política. Mas se Pomar não chegou a renegar a sua fase neo-realista, casos houve bem mais radicais, como o do Vespeira ou o caso do Cesariny. O Cesariny raramente é lembrado como alguém que ainda andou pelo neo-realismo, tanto em termos teóricos como em termos práticos. Em termos práticos as coisas desapareceram, em termos teóricos não desapareceram porque estão publicadas. Isto não diminui em nada, obviamente, a presença do Cesariny como grande surrealista, tanto ao nível da poesia como ao nível das artes visuais, mas também não vale a pena dizer que não passou por lá, porque passou e de um modo intenso. É o caso também do Vespeira que fez desaparecer quase tudo o que era da sua produção neo-realista quando abraçou com muita paixão a sua fase surrealista. Este abandono deliberado por parte dos próprios protagonistas determinou, em parte, uma primeira fase de esquecimento do neo-realismo. O neo-realismo foi esquecido, não só pela geração que o construiu, que o definiu enquanto movimento, como ainda, claro está, pelo próprio sistema político e cultural do Estado Novo, que nele vira uma ameaça. Depois, o neo-realismo sofre ainda, para terminar esta questão, de uma outra fase que prejudicou muito a leitura sobre a sua importância, ou seja, o pós-25 de Abril. Nesse período conturbado da nossa história política recente, o neo-realismo passa a ser valorizado como uma espécie de Olimpo, onde habitam os deuses. Isto é, com a ascensão revolucionária, os neo-realistas são recuperados como heróis e passam a ser, durante alguns anos, as maiores referências da literatura e da arte portuguesas. Ora, nem uma coisa nem outra, não eram nem artistas que obcecadamente obedeciam ao Partido Comunista Português de um modo ortodoxo, nem eram, por oposição, os maiores artistas do século XX português. Em primeiro lugar, só de longe tinham alguma ideia do que se passava na União Soviética ao nível artístico. Teriam umas luzes teóricas, a partir de obras que eram traduzidas para alemão e depois para francês e que chegavam a Portugal depois, sobretudo a partir daquele grande entusiasmo das frentes populares francesas, da guerra civil de Espanha, tudo isso despertou nestes artistas e escritores um grande interesse pela cultura soviética, mas a verdade é que em termos formais, tanto na literatura como nas artes visuais, nenhum deles sabia exactamente o que é que se estava a produzir lá. Se comparamos a obra de artistas soviéticos como Aleksandr e Sergei Gerasimov, dois dos pintores mais associados ao Realismo Socialista Soviético, com as obras de Júlio Pomar, de Vespeira ou de Rogério Ribeiro ou Querubim Lapa percebemos que as aproximações estético-formais são descabidas ou muito forçadas. Apenas ao nível temático se cruzam por vezes, ainda que as opções formais as afastem quase em definitivo. O caso do trabalho, do tema dos oprimidos, obviamente que são comuns, mas apenas nesse aspecto podemos ligar os dois universos criativos, porque, em termos formais, e é isso que conta para uma obra de arte, percebemos que as filiações são completamente distintas. Por outro lado, no pós-25 de Abril há uma segunda fase que é precisamente marcada por uma espécie de nova ortodoxia do Partido Comunista. A cultura neo-realista ganhou então um grande protagonismo, não é que estivesse no activo, já não estava, mas ganha uma nova divulgação como grande referência. Por exemplo, nos programas escolares, autores de algum modo esquecidos, como Alves Redol, Manuel da Fonseca ou Soeiro Pereira Gomes, entre outros, passaram a ser referência nos estudos dos anos 70 e 80, desde a escola primária, ao ensino secundário e por aí fora. Isso também fez com que uma certa geração que aprendeu alguma literatura ou aprendeu a escrever e a ler em torno desses autores, chegada à fase activa tivesse um certo desdém, por alguma coisa que não foi bem explicada nem foi bem compreendida sobre a riqueza do movimento. Na segunda metade dos anos 80 começa a haver um novo afastamento em relação ao neo-realismo, como espécie de oposição ao excesso de dedicação da cultura de esquerda dos anos 70, para quem o neo-realismo resultava como um movimento quase intocável.
Bom, e é só na fase seguinte que surge o Museu do Neo-Realismo, que começa a disponibilizar os seus espólios aos investigadores, que já nem estão a participar no movimento nem na sua grande divulgação. E para eles o facto de ser um movimento associado à esquerda política portuguesa já não é determinante. Há, a partir dos anos 90, uma tendência para estudar o movimento com distanciamento, sem paixões, ou posições pró ou contra. E é essa a prioridade do Museu do Neo-Realismo, a de demonstrar que o movimento tem o seu lugar na cultura portuguesa não fazendo dele nem uma intocável bandeira, nem um movimento a esquecer. Tem o seu lugar especifico e mais ligações ao nosso pensamento contemporâneo do que às vezes julgamos. Só por essa razão já mereceria fazer uma revisão profunda de toda esta herança. Depois, há também uma diferença de gerações e um distanciamento sobre o que aconteceu que permite hoje a um jovem na própria faculdade abordar esta temática ainda desconhecida e complexa, fazer uma tese sobre o Neo-Realismo, ou sobre um escritor, sem que seja olhado com desdém ou como uma pessoa estranha à cultura contemporânea.

A historiografia do professor José-Augusto França pode ter contribuído para que vigorasse uma leitura pouco abonatória do neo-realismo?

Não quero reduzir as coisas a esse ponto, mas não tenho muitos problemas em afirmar que o facto de o professor José-Augusto França ter feito historiografia – fazer crítica é uma coisa, fazer historiografia é outra – sobre a sua própria geração, sobre o seu tempo, o tenha conduzido a apoiar mais a via do surrealismo por oposição ao neo-realismo. Não estou com isto a fixar em José-Augusto França a responsabilidade da perda de visibilidade e de interesse que o neo-realismo teve na cultura portuguesa da segunda metade do século. Porém, ajudou a que um departamento de história de arte como o da Universidade Nova, dos mais influentes ao nível da história da arte contemporânea, tenha em certa medida perpetuado durante décadas uma visão deturpadíssima da importância do neo-realismo, e contra mim falo, porque fiz parte também desse núcleo e desse departamento e foi aí que dei os primeiros passos como investigador. A influência de José-Augusto França é incontornável, não há ninguém que estude história da arte do século XX em Portugal sem passar pelo historiografia deste autor, é impossível contornar esse aspecto, nem é desejável sequer. Mas também é evidente que quando o historiador José-Augusto França fala da Lisboa Pombalina é uma coisa, e quando escreve sobre neo-realistas, surrealistas e abstraccionistas, é outra. O seu estudo está eivado de um problema de identificação e de participação, pois ele não só é historiador como é actor e as coisas aí confundem-se sempre, obrigatoriamente, e como o departamento de história da arte da Universidade Nova formou muitos historiadores com alguma influência na historiografia portuguesa dessa área de estudos, nós sentimos que durante muito tempo houve uma aversão ao neo-realismo, inclusivamente nos estudos académicos. E naturalmente essas ideias foram-se disseminando e chegámos a um ponto em que o neo-realismo passa a persona non grata sem que ninguém observasse a sua produção artística, e isso é o pior que pode acontecer. Como referi, eu próprio partilhei desses clichés e dessas ideias, desses preconceitos, mas quando os abandonei e passei, juntamente com outras pessoas, a tentar observar as obras, a ler sua produção teórica, revelou-se algo que afinal ninguém tinha mostrado verdadeiramente. Há que observar as obras, há que ler as publicações, há que ler os romances, a poesia, há que voltar a olhar e a ler e não apenas propagar o eco de uma ideia que tem vindo a ser retomada sistematicamente, defendendo que o neo-realismo vale por uma via de empenhamento, solidariedade, mas não vale por uma via artística.

As instituições normalmente têm necessidade de desenvolver actividades que despertem a atenção do público. Num museu temático essa premissa faz ainda mais sentido. Têm programas orientados para a comunidade local. Programas educativos?

Por ser um museu sediado numa pequena cidade a 30 quilómetros de Lisboa, eu diria que apesar de ter as suas vantagens, sofre de dois problemas: por um lado, não está no interior do país, não é um museu de província, mas, por outro, também não é um museu de grande cidade, Lisboa ou Porto, sofrendo sobretudo de uma situação periférica. E como está muito perto de Lisboa, há também a tendência de achar que, se fica tão perto pode ser visitado em qualquer altura e pode-se adiar a visita. Também por isso acentuamos esta necessidade de regresso ao museu com uma programação de exposições temporárias, oferecendo alguma novidade periódica, «obrigando» as pessoas a revisitar o museu e a não sentirem que uma visita é suficiente para que se conheça a actividade do museu. Relativamente à ideia do público local e como é que o museu comunica em termos pedagógicos com um público mais vasto e não apenas com o público especializado, nós temos um serviço educativo muito abrangente, que não se dirige apenas às crianças ou aos jovens, mas que serve públicos diferenciados, de todas as idades. Temos alvos profissionais e neste momento estamos a desenvolver uma campanha, que coincide com o segundo aniversário do museu, em que grupos profissionais são chamados ao museu, por exemplo comerciantes, bancários, juízes e procuradores que trabalham no tribunal que fica perto do museu, são convidados a visitar o museu e a frequentá-lo num sentido de convivialidade, no fundo tentando demonstrar que há muitas formas dos serviços educativos trabalharem com públicos muito diferenciados. Os públicos que vêm das escolas e que vêm organizados por motivação dos professores, quer queiramos quer não, são mais fáceis de conquistar, apesar da dificuldade que há em conseguir convencer os professores sobre a importância de se visitar o museu. Ainda assim, o trabalho que tem sido feito é bastante positivo, mas nunca estamos contentes com tudo, queremos melhorar, e agora estamos apostados também em fazer algo que extravase essa ideia dos serviços educativos ligados aos mais jovens. Aliás, o ano de 2008 já foi marcado por uma série de iniciativas que envolviam por exemplo pessoas de outras idades e nomeadamente da terceira idade, pois com o envelhecimento da população portuguesa é inevitável que isso aconteça. Nós compreendemos que temos de comunicar com o público sénior, e este é um público muitas vezes difícil de cativar inicialmente, mas quando acontece é muito gratificante. É um público que tem uma grande disponibilidade e para o qual é possível preparar textos, organizar participações. Por exemplo, ao nível da poesia neo-realista, preparámos uma série de iniciativas que enquadraram os diversos públicos. Não sinto, portanto, que o museu tenha dificuldades em comunicar com a população local, ou com públicos que não são especializados na nossa temática. Agora, a batalha dos públicos é sempre uma batalha que qualquer responsável por uma instituição museológica sente que está por ganhar, há sempre trabalho a fazer, não tem de se tornar uma obsessão ao ponto do número e da diversidade de públicos comprometer a questão da investigação e os princípios orientadores da programação. Mas é obvio que na minha óptica também não é possível ter um museu que trabalhe e comunique apenas com a comunidade artística ou científica. É preciso conciliar todo esse público, pois se o museu é um motor de formação ao mais alto nível, não pode nunca abdicar de comunicar para todos os níveis e para todos os públicos.

Que opinião tem sobre a situação dos museus em Portugal e sobre as grandes questões que preocupam as direcções das instituições culturais? Os cortes na área da cultura, as reduções de orçamento ... Como vê a situação cultural do país?

Do ponto de vista de quem está à frente de uma instituição museológica de tutela municipal, diria que, neste momento, é preferível estar associado a um projecto municipal do que nacional. Os museus ligados ao Estado ou sobre alçada directa do Ministério da Cultura, do Instituto dos Museus e da Conservação, têm sentido grandes dificuldades. Se é reconhecido que se fazem sentir quase de um modo crónico, a verdade é que se acentuaram muito nos últimos anos, ao ponto de haver museus que têm de fechar em certos dias por não haver sequer vigilantes, e isto diz tudo sobre a maneira como estamos a encarar a cultura museológica em Portugal. Não querendo alargar esta resposta à questão da cultura em Portugal, que é um assunto complexo e que nos levaria muito longe, gostaria apenas de fixar-me nesta área dos museus. E nesta é fácil perceber que as situações são muito volúveis, ou seja, o desenvolvimento dos museus está hoje em dia muito mais dependente de apostas circunstanciais do que propriamente de um projecto a longo prazo, estruturado, pensado com critérios e objectivos para atingir resultados concretos. E neste caso já não se trata tanto daquele tipo de problemas a que nós assistimos durante décadas em Portugal, o da constante mudança de ministros e directores gerais e consequentemente de alteração completa das políticas para o sector. Neste momento já nem há mudança, não há nada, trata-se de cumprir apenas os mínimos para que os museus possam ter as portas abertas. Os museus de tutela nacional estão a enfrentar dificuldades que eu diria impensáveis num país civilizado, europeu, com uma das línguas mais faladas do mundo, com uma cultura riquíssima, reconhecível além-fronteiras como uma das culturas estruturantes, inclusive, da identidade cultural europeia. Acho que é uma situação incomportável o que se está a passar com o nosso património museológico.

No seu entender o que é que falha? É uma questão orçamental?

Quanto a mim falta uma verdadeira definição estratégica. E o problema não é que não haja pessoas a dar o seu contributo, e não vou falar de nomes em concreto, mas em Portugal existem pessoas com uma longa experiência na área dos museus e outras com menos experiência mas com ideias também inovadoras. Não quer dizer que não haja quem pense e tenha até, em alguns pontos, ideias comuns para avançarmos para uma certa via. Acontece que se verifica um certo distanciamento dos responsáveis políticos relativamente a um projecto a longo prazo. Ou seja, a cultura e a formação de públicos, bem como os projectos culturais deste país, são a maior parte das vezes entendidos pelos políticos como projectos pessoais que se não dão resultados imediatos são abandonados e substituídos por outros. Este problema de não compreender o fenómeno cultural como um fenómeno que exige tempo e exige outras áreas de acção é, em certo sentido, o mais grave. A museologia tem uma ligação à temporalidade longa maior do que, por exemplo, a área dos espectáculos, e não podemos estar sempre a mudar o modelo de actuação só porque eventualmente há um resultado menos satisfatório. Ao nível do público e de aceitação, impõem-se aquele binómio sistemático, de não se conceder apoios à criatividade se a criatividade não tiver público, o que implica entender igualmente a outra face da moeda, que é o abandono de determinado tipo de iniciativas culturais, por vezes mais arrojadas em termos criativos, por não darem resultados imediatos. Mas a verdade é que a arte precisa também de formar os seus públicos. E na área da museologia este aspecto é quase sempre esquecido, porque não há possibilidades de apresentar resultados com menos de uma década de trabalho. É preciso entender que tem de se dar tempo ao tempo, e um projecto só pode ter a sua identidade consolidada após vários anos. Só aí se começam a ver os resultados do desenvolvimento de várias etapas. Ora, em Portugal parece que uma década significa uma espécie de 100 anos, parece um século e, os responsáveis políticos e outros responsáveis administrativos, muitas vezes não têm paciência nem sensibilidade para apostar nesses projectos de um modo mais continuado. Este é um dos problemas que identifico na museologia portuguesa e considero que é de certo modo extensível a outras áreas da cultura em Portugal. Nós não suportarmos trabalhos continuados, quer dizer, não queremos e não sabemos esperar, e os países que não sabem esperar vão queimando etapas e perdem oportunidades de fazer um trabalho que depois acabaria por dar resultados mais sólidos e consequentes. Isso poderá ser mudado, haja sensibilidade da parte dos governantes e daqueles que têm responsabilidade política para concederem aos técnicos, aqueles que têm conhecimentos na área, um pouco mais de autonomia. A autonomia não tem de ser total, pois deverá haver sempre um equilíbrio, uma relação de forças que permita um trabalho em conjunto, mas esse trabalho não pode estar profundamente determinado pelo devaneio de um ministro ou por uma reorientação determinada pela mudança de governo. Quando muda a cor política do governo a tendência é para esquecer o trabalho que está feito e não apostar no eventual bom trabalho que entretanto se fez, como se as coisas pudessem ser definidas assim de um modo tão simples.

Falemos do futuro. Qual é o vosso programa de exposições para o próximo ano?

Vamos ter ao nível das exposições principais, no piso 1, uma exposição documental dedicada ao Campo de Concentração do Tarrafal, que é comissariada pelo Dr. Alfredo Caldeira, numa parceria com a Fundação Mário Soares. É uma exposição que se encontra no próprio Tarrafal, em Cabo Verde, e que vai ter agora uma nova versão em Portugal, sendo o Museu do Neo-Realismo e a Fundação Mário Soares as primeiras instituições a debruçarem-se sobre um tema tão complexo e ainda tão delicado da história política portuguesa. Ao mesmo tempo, realiza-se uma exposição no piso 0, ao nível da recepção e do foyer do museu, de Tapeçarias de Portalegre, porque há também uma relação histórica dos neo-realistas com a realização de cartões para as Tapeçarias de Portalegre, que terá exemplares de alguns autores portugueses, do Júlio Pomar a Rogério Ribeiro e ainda outros que não estão associados ao neo-realismo mas que se situam no arco temporal do movimento. Depois disso, teremos, no início do Verão, uma antológica dedicada à pintura do Rui Filipe, que é um pintor também quase desconhecido, mas que merece uma outra atenção. E terminaremos no piso 1 com uma grande exposição retrospectiva dedicada a Querubim Lapa, um dos últimos artistas vivos que está associado ao movimento neo-realista desde o seu início e que continua a produzir, não já no âmbito estético do neo-realismo, sobretudo ao nível da azulejaria e é também um homem que sempre acarinhou o projecto do Museu do Neo-Realismo. É um artista absolutamente incontornável para compreendermos o próprio movimento. No piso 0 vamos ter ao nível das exposições biobibliográficas duas exposições, uma delas dedicada ao António Borges Coelho com comissariado do historiador João Madeira e uma outra dedicada a Matilde Rosa Araújo, comissariada por Luísa Duarte Santos. No ciclo de arte contemporânea, que é orientado por mim, vamos ter Manuel Santos Maia, António Olaio, Pedro Amaral e ainda uma artista que não podemos confirmar para já a sua presença, faltando acertar alguns detalhes. Este é o programa expositivo para o ano 2010 no Museu do Neo-Realismo, mas paralelamente há dezenas de iniciativas no auditório, entre apresentações de livros, ciclos de debates como tivemos em 2007 e 2008 dedicados à arte politica e à literatura e política. Agora vamos debruçar-nos sobre o teatro e política e vamos dar continuidade aos Encontros e Desencontros com o Neo-Realismo onde convidamos figuras, personalidades da cultura portuguesa, das áreas do cinema, da literatura, das artes plásticas a darem o testemunho da sua relação com o neo-realismo. Podem até não ter uma relação muito positiva com o movimento, mas é precisamente esse lado desassombrado que o museu procura também reintroduzir na agenda do pensamento e da reflexão cultural. Haverá também lançamento de livros sobre o próprio tema do neo-realismo, e até a apresentação de teses, já que felizmente existem cada vez mais teses académicas sobre o movimento, não por iniciativa directa do museu, mas acarinhamos todos esses projectos. A própria Associação Promotora do museu, que é uma entidade paralela à instituição, tem financiado estudos sobre o neo-realismo e financia a publicação de teses ligadas ao movimento. Isso é muito importante, é uma função absolutamente extraordinária da Associação Promotora que eu gostaria aqui de sublinhar. E o museu tem essa necessidade, obviamente, de promover a cultura neo-realista. Se há estudos, se há edições que entretanto vêm a lume, naturalmente, o museu apresenta esses livros, e não apenas esses, mas também qualquer iniciativa que esteja associada ao neo-realismo, com a cultura política portuguesa ou com a criatividade politizada. Estes são os eixos de orientação de uma programação que se quer diversificada e intensa.

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