Ensaio «Inventário Artístico de um Fazedor de Raridades» sobre a obra de Miguel Palma. Publicado em AA.VV., Miguel Palma (pp. 18-27). Lisboa: ADIAC/Jornal Público, 2005. ISBN: 972-8938-10-1.
PREÂMBULO
Ao longo de mais de uma década, Miguel Palma construiu o seu trabalho fabricando peças e inventando máquinas raras, restaurando objectos antigos a fim de realizar a transformação dos seus artefactos em objectos de colecção. Na medida em que normalmente fazemos a distinção entre os mundos do artista e os do coleccionador, como também os da produção e do consumo culturais, pondo em evidência a distância existente entre o acto de criar e o de apropriação, diremos que na obra de Miguel Palma os dois universos parecem inseparáveis. Sendo um artista contemporâneo por excelência, é possível reconhecer através da sua prática uma visão em muitos aspectos similar àquela que caracteriza a actividade e a experiência do coleccionador. Todavia, sem que assim se revele a paixão coleccionadora, o desejo e o modo de posse que definem normalmente a ligação do coleccionador aos seus objectos, nem mesmo a perspectiva coleccionista que no trato sistemático de abreviar e sintetizar o mundo a algo de coleccionável nos poderia induzir à realização de um inventário completo ou à elaboração de uma espécie de grande arquivo de Todas as Obras deste autor, composto por documentação e fichas de registo devidamente numeradas e anotadas segundo as respectivas entradas processuais. Convém salientar até que Miguel Palma não é um adepto incondicional da disciplina, da organização e do estabelecimento de preceitos sistemáticos. Mantém-se distante deles como da imagem do coleccionador que sustém em relação às suas peças de eleição o desejo de as ver reunidas num conjunto ordenado. Esse exercício de organização e estudo metódicos até poderia ser sugestivo no reconhecimento para com a morosa tarefa de quem se dispõe a registar o património do presente e do passado e a identificar a natureza de um número vasto de obras de arte. No entanto, essa mesma disposição para classificar e separar, sendo essencialmente um cuidado de natureza positivista, parece pouco ajustada ao pressuposto de considerar e arrumar em linha tematicamente direccionada, nas estantes horizontais da folha de papel, a obra deste artista. Assim, este Inventário Artístico de um Fazedor de Raridades não poderá ser arquivado em ficheiros metálicos, antes apresentando-se redigido em texto, sem prejuízo de uma consulta fácil. A presente publicação é orientada por temas, com menção do título das obras estudadas, e abrange notas descritivas, apontamentos tomados junto do autor, que serão depois completadas com observações críticas, históricas e bibliográficas. Ao texto junta-se a ilustração visual respectiva, fotografias que documentam a redacção desta edição.
UM FAZEDOR DE RARIDADES
Fosse qual fosse a intenção de proceder à catalogação da obra de Miguel Palma, há a dizer que os seus trabalhos estão longe de ser antiguidades de colecção ou exemplares decorativos devidamente compostos num sistema isolado e marginal em relação à realidade dos objectos comuns. Quando na sua prática artística se ocupa de artefactos antigos, Palma não se conforma em assegurar e valorizar a intemporalidade, o testemunho e a lembrança dos objectos, isolando-os numa espécie de redoma invisível que os preserve da ordem natural das coisas. Pelo contrário, na sua obra assume invariavelmente o efeito implacável exercido pela flecha do tempo e pelo ritmo de vida no mundo real, sem recear as circunstâncias ocasionais e os perigos que possam advir para a conservação da peça. Isso mesmo ficou manifesto com a apresentação de Valor (2002), peça exposta na mostra intitulada Mini Mind que o artista realizou no Círculo de Artes Plásticas de Coimbra em 2002, a qual tem a particularidade de ser a peça a que concedemos um registo de inventário impresso, ou seja, uma espécie de ficha S.O.S., por ser relativa a um caso acidental que evita uma situação de perda total.
Nº de INVENTÁRIO: 186
DESCRIÇÃO: Cadeira com forro em tecido vermelho
ÉPOCA: Século XVIII
ESTILO: Chipandelle
DIMENSÕES: 160 x 110 x 110 cm
COLOCAÇÃO: Vitrine de acrílico
OBSERVAÇÕES E ESTADO DE CONSERVAÇÃO: Danificada. A madeira está infectada por caruncho e apresenta danos irreparáveis.
Na realidade, trata-se esta de uma obra em que o artista veio contradizer claramente o conceito de sacralidade e pureza do objecto de arte, deixando em exposição uma peça de mobiliário de estilo, uma cadeira do século XVIII, cuja existência surgia associada a uma patologia ou a um destino prescrito por uma ameaça muito específica, a acção destruidora provocada pelo caruncho na madeira. Ora se nesse preciso momento não eram ainda visíveis os sinais distintivos do ruído dos insectos, durante o período da exposição manteve-se em perspectiva quer a incerteza em relação ao futuro e à longevidade daquele exemplar, quer a sensação de indecisão quanto ao processo de decomposição material já em curso. E assim, por intermédio desta obra, Miguel Palma dessacraliza o valor de antiguidade deste objecto raro, colocando em questão o seu estatuto de objecto puro imaculado, e também a sua existência como monumento destinado a manifestar a aspiração da arte à permanência e à intemporalidade. Ou seja, negando a sua situação de coisa material conservada na sua forma original, protegida quer da história e da contingência que regem os objectos vulgares na realidade, quer dos perigos e acidentes da vida quotidiana, Palma termina revelando a natureza mais verdadeira e mais orgânica do seu objecto, num plano que podemos associar às palavras de Hannah Arendt quando afirma que «se abandonada a si mesma ou excluída do mundo humano, a cadeira voltará a ser lenha, e a lenha perecerá e retornará ao solo de onde surgiu a árvore que foi cortada para transformar-se no material sobre o qual se trabalhou e com o qual se construiu.»[1] Nesse mesmo sentido, podemos afirmar que ao privar-se de considerar o plano da preservação artificial dessa peça, Miguel Palma põe igualmente a descoberto não a presença e a inevitabilidade da morte ou o carácter derradeiro da ruína, mas o sentido de vida real que está mais próximo da condição e do ritmo de existência dos outros artefactos. Em conjugação com este panorama que oferece a possibilidade de repensar a eternidade corpórea, a esperança de vida e a qualidade intacta e estática dos objectos artísticos, Miguel Palma desafia através deste mesmo trabalho alguns dos tabus e sentidos essenciais do coleccionismo: a possibilidade de concretizar por meio desses objectos antigos o alheamento em relação ao tempo histórico, a evasão nostálgica por meio da familiaridade com esses objectos ligados ao passado, e a noção de propriedade que rege muitos outros planos da nossa existência. É que perante a condição do bem patrimonial perdido, resta ao coleccionador armazenar os fragmentos materiais que ao fim de certo tempo podem subsistir ou guardar a prova documental que possa lembrar a existência desse objecto frágil. O conceito de tempo tem grande expressão no contexto da produção artística de Miguel Palma. De resto a referência ao tempo e à experiência temporal surge reforçada em duas outras peças que integraram a sua exposição Mini Mind. Trata-se de Duracell (2002), intervenção baseada no confronto entre o desgaste funcional de um aparelho de som e a permanência, algo anacrónica, de uma estrutura escultórica plena de referências à divisão clássica entre as artes do espaço e as artes fundadas no tempo e do mesmo modo à preservação dos cânones da escultura moderna. A acção teve lugar no dia da inauguração e processou-se inicialmente com o encerramento da aparelhagem sonora no interior de um simples bloco monolítico de cimento (uma operação realizada com a ajuda de uma betoneira e de uma cofragem). Tal como estava programado, a presença sonora ficaria, desde logo, limitada ao isolamento. Decorridos alguns dias, ou seja, esgotado o escasso tempo útil das pilhas alcalinas, chegaria o silêncio total, ficando a peça a servir somente de receptáculo a uma morte anunciada. Em Património (2002) procedeu à destruição da cópia de um jarrão japonês «Imari» do século XVIII, e de seguida à sua reconstituição, que viria a decorrer ao longo do período em que esteve patente a mostra. Em Património Miguel Palma centra o seu trabalho na reabilitação de objectos antigos e na operação de restauro, vendo nela a hipótese simbólica e concreta de suspender o ciclo de degradação, de abandono e do esquecimento a que também se votam de um modo geral os objectos antigos na modernidade. E note-se que na perspectiva das operações de restauro que o artista enceta não está a posse privada do objecto nem o sentimento de apropriação que conduz ao seu afastamento do domínio da funcionalidade. Com a reabilitação ele visa restituir ao objecto o seu valor de uso e assegurar a sua inserção no domínio mais participado da finalidade prática. Assim, por exemplo, aquando da apresentação de Barco do Lavrador (2000), Palma recuperou a ideia da embarcação que se fazia o transporte de mercadorias e por vezes de passageiros, propondo realizar passeios ao longo do Rio Mondego e suscitar um modo de relação activa e mais directa com o público em torno do usufruto prático da embarcação. A sua é um tipo de participação que não constitui uma excentricidade, nem o sinal de um desprendimento particular em relação ao mundo das belas artes, mas a revelação de que ele se situa num campo de actuação não limitado a uma ideia cristalizada de intervenção artística. Não obstante participar em exposições de arte, Palma tende a não fixar por completo a sua actividade em pontos do mapa galerístico, antes definindo a sua posição de acordo com a geografia dos lugares e a natureza particular de cada projecto. Tentemos uma visão panorâmica, suficientemente abrangente. É deste modo que podemos interpretar algumas das linhas de trabalho que orientaram a produção de Exposição de Ocasião, projecto que foi apresentado no Museu do Chiado em 2000. Nele, para além de posicionar o seu trabalho artístico num espaço do sistema da arte, o autor serve-se do modo de funcionamento mais abrangente e público da esfera comercial do mercado de trocas, compras e vendas para reinventar sob novas perspectivas a sua relação com o espectador e cliente. Algo que veio a desencadear-se de acordo com um diálogo mais directo e pessoal mantido em diversas conversas telefónicas com os eventuais interessados nas suas propostas de negócio, publicitadas de antemão em diversos jornais, e na assumpção de estar perante uma esfera de acolhimento paralela e situada à margem do circuito alvo da recepção artística, ou seja, não coberta pela noção tutelar dos públicos da arte. E este é um dado fortemente significativo, tanto mais porque muitas realizações de Miguel Palma ocorrem na absoluta proximidade à experiência que se faz modo de vida. Casos evidentes são Engenho (1994), trabalho que não existe independentemente do trajecto por ele realizado de Lisboa ao Porto, e Lisboa – Roterdão (2001), peça que não é dissociável da viagem que fez de Lisboa a Roterdão, acompanhado por um peça-reboque que Miguel Palma afirma ter a particularidade de «colocar em causa o cuidado com que se transporta os objectos de arte, sempre por profissionais e com muito cuidado, dado serem encarados como objectos muito sensíveis. Neste caso a própria peça seria um veículo de transporte, mais nómada e capaz de sofrer com o percurso de 2500 quilómetros.» Na verdade, o seu trabalho raramente se enquadra nos termos de «obra» e de «peça». Mais do que objectos, Palma dá-nos muitas vezes uma parcela do «seu tempo» através de um registo vídeo que documenta as suas intervenções. É seguindo o mesmo princípio que numa obra mais recente, Almas Gémeas (2002), o artista apresenta no suporte vídeo um trabalho de evocação autobiográfica o qual nos oferece uma porção da sua existência capaz de testemunhar o modo como vive a sua presença no mundo. Trata-se de duas projecções simultâneas que se reportam a dois percursos automobilísticos de diferente natureza e qualidade: o decurso de um passeio familiar e uma prova de competição. O primeiro alude à esfera privada e a uma vivência do tempo que escapa à avaliação objectiva e numérica. O segundo centra-se numa visão mais maquinal da acção humana, onde a obsessão pela medida e a velocidade expõem a privação do tempo interior que se associa a uma vida levada a contra-relógio.
O que é que o relógio nos ensina acerca do tempo?
Se a linha recta é a mais curta entre dois pontos fatais e inevitáveis, as digressões fá-la-ão mais comprida: e se estas digressões se tornarem tão complexas, emaranhadas e tortuosas, tão rápidas que façam perder o seu rasto, então quem sabe se a morte nunca mais nos apanhará, se o tempo se perderá, e se nós poderemos ficar ocultos em mutáveis esconderijos?[2]
A primeira obra de Miguel Palma intitulava-se precisamente Relógios (1987-1988). Nele o artista fazia incidir na forma simples e elementar em que apresentava os objectos escultóricos (cinquenta relógios, todos eles realizados em betão), o sentido da alteração produzida em relação ao seu modelo referencial. Sem destituir as peças da estrutura maquinal e de todos os automatismos que configuram o relógio mecânico, e sem sequer subtraí-los ao sentido de utilidade prática, precisão e eficácia técnica, o artista aludia ao tempo cronológico, sublinhando formalmente a dimensão abstracta e indiferenciada do tempo matemático e objectivo. Isso verificava-se quer pela semelhança e repetição dos elementos que formavam o conjunto da instalação quer pela escolha do betão, material que ocupou um lugar central na primeira fase do trabalho de Miguel Palma, e cujas características e qualidades vinham, à exacta medida do teor desta proposta, realçar a sensação de uniformidade que desejava projectar. Os relógios mais não eram do que a expressão simbólica de um tempo impessoal e monótono. Ou seja, um modelo de referência universal, a imagem acabada de um tempo padrão que logo surge como a manifestação perfeita da ordem regular e estável que medeia as relações do homem com o mundo, e atende à sua obsessão por medir o tempo e organizar a vida em função das horas. O relógio apresenta-se como um emblema da existência colectiva, um farol que permite agendar e racionalizar a vida nas sociedades modernas, sendo um dos seus efeitos um sentimento de participação mais vinculativo. É que sem horas e sem a disciplina dos horários socialmente reconhecidos, é provável sentirmos um desacordo com o ritmo dos demais e experimentarmos a sensação de isolamento existencial e separação do mundo exterior. Movimento da vida. Este tempo dado a repetições e rotinas é amplamente associado ao círculo do trabalho e à dinâmica mecanizada da vida moderna; à disciplina na acção, à sua racionalização até limites extremos e ao prosseguimento de uma vida estabelecida com prazos, horários e metas, que não obstante orientarem e estimularem a acção, dando em retorno a satisfação pelo finalizado e cumprido, tornam-se indissociáveis da sensação opressiva da urgência. O andamento veloz, que sustenta e alimenta a acção humana individual e o curso que damos ao mundo, e um ritmo marcado por exigências imediatas, incapaz de respeitar imobilidades, tempos livres, tempos de espera, paragens e desvios, levam-nos a agir como profissionais da velocidade, adeptos do grande lema desportivo – mais alto, mais longe e mais rápido. Não importa apenas cumprir o ritmo, é necessário ter uma meta elevada que faça lutar pelo grau de excelência e nos incentive a disputar forças na conquista de um lugar no pódio. Assim fez Miguel Palma em Driving to perfection (1995), colocando-se durante cerca de dois meses no papel de um piloto de karts a cronometrar provas em pista e a situar a sua prestação artística na obtenção dos melhores tempos. Tudo com o intuito de dar à actividade artística uma avaliação e competitividade baseadas numa escala objectiva de valores, num escalonamento hierárquico e numa tabela classificativa traçada ao cronómetro e com direito a indicações de marcas diferenciais entre concorrentes. De resto foi este mesmo intuito que o levou a inscrever-se no Campeonato Automobilístico dos Históricos 71, ao volante de um BMW, e a participar numa acção que lhe exigiu entrar no verdadeiro espírito da competição e sentir os efeitos do domínio da máquina. Na obra a ligação cúmplice estabelecida com o automóvel surge ancorada no poder imaginário despoletado pelo apelo da velocidade e na possibilidade de experimentar pela aceleração da máquina a sensação de transcendência e a superação momentânea da finitude. Paradoxalmente é a própria experiência da velocidade, a rapidez com que se exerce a fuga para a frente, que é sentida como possibilidade de reagir contra a morte. De agarrar-se à existência, e de desenvolver a sensação de recuo no tempo. Ou seja, temos a capacidade fictícia de percorrer uma trajectória sem limites, rumo ao infinito. Como afirma Baudrillard «além de cem quilómetros por hora, há a presunção da eternidade».[3] Situação que não evita o perigo de desastre, a hipótese da falha, a existência de obstáculos, mas que tem o dom de intensificar o risco e as ressonâncias emocionais e físicas do plano do vivido na esfera da arte. O limite e o efeito acidental associado à máquina. Crash Test (1994) é a esse título paradigmático. Tratou-se de uma acção na Galeria Quadrum, em que o artista encenava a colisão de um protótipo automóvel contra um muro de betão, evocando dessa forma a ideia de obstáculo e a imagem simbólica de uma fronteira intransponível, chamada fim. E ainda que o acidental adquirisse aqui um significado diferente – não o da ordem do acaso, do súbito e da contigência, mas da simulação e da previsão – eram os efeitos e resultados dessa experiência que surgiam realçados: a fragilidade e a velocidade da máquina frente à imobilidade e resistência do muro de cimento.
Se a ideia de desgaste funcional das máquinas e a de uma existência balizada numa data limite é algo a que certamente nos habituámos, sobretudo quando ela surge transposta para o «vai e vem» cíclico da produção e consumos tecnológicos, dando a perceber-se como experiência da estabilidade da vida dos homens, neste caso não podemos deixar de testemunhar um sentimento de perda. O mesmo que associamos à condição dramática do nosso horizonte existencial: o sentido finito da existência e a sempre indestrutível certeza no nosso percurso, em direcção a um fim. Essa consciência da não separação de destinos surge, bem explícita, numa das obras anteriores de Miguel Palma. Trata-se de Morte colectiva (2000), peça em que a par de um cenário caótico (que integra pontes, comboios e aviões), prenunciador de desastre colectivo, é visível a imagem de uma morte individual: a do próprio artista, dada pela presença de um caixão e de uma placa onde se inscreve: Miguel Palma 2000. Sendo Morte colectiva um claro sinal de entrega à experiência de finitude, de antecipação da morte em vida, de uma existência para a morte, torna-se também necessário referir impulsos de diferente natureza, que na vivência contemporânea se consubstanciam na evasão face à irreversibilidade, no constante processo de iludir a morte. A morte chega a parecer artificial, dados os avanços da medicina que descobre técnicas que ajudam a aumentar a esperança de vida e quase induzem a supor que se pode cancelar indefinidamente o momento da morte ou senti-la somente a título de acidente. Mas tratando-se da existência humana, a morte não pode ser sentida como um acontecimento ou uma situação neutra. Irrompe como ameaça e violência levando-nos a reavaliar e a ponderar o significado das formas individualistas e artificiais de estar no mundo.
É em peças como Ecossistema (1995), Aquário (1996), Vida vegetal (com Paulo Mendes) (1996), Projecto 2080 (1996), Carbono 14 (1998), ou Cultura Hidropónica (2000) que em Miguel Palma a consciência ecológica ganha expressão por referências reiteradas a uma vivência que se afasta progressivamente do plano natural. Mesmo na incerteza dos tempos perdura a convicção de que sendo o homem vítima de muitas catástrofes, a passividade deixou há muito de ser a sua forma de estar no mundo. Vítima, ele é também autor de fatalidades que não o demovem do rumo. Afinal a iniciativa humana traçou projectos de estar no mundo, pensou o curso do mundo, delineou avanços, planeou a associação com a máquina, com o intuito de se mover mais depressa, sem ignorar o que tudo isso poderia significar em termos da distância que separa a existência do plano natural. A fuga deve ser rápida.
Footnotes
- ^ Hannah Arendt (1958), A Condição Humana. Lisboa: Relógio D`Água Editores, 2001, p. 176.
- ^ Carlo Levi citado a partir de Italo Calvino, Seis propostas para o próximo milénio (Lições Americanas). Lisboa: Editorial Teorema, 1994, p. 63.
- ^ Jean Baudrillard (1968), O Sistema dos Objectos. São Paulo: Editora Perspectiva, 2000, p. 75.