Carlos Nogueira

Colecção do CAM

«Carlos Nogueira» in AA.VV, Centro de Arte Moderna José de Azeredo Perdigão: Roteiro da Colecção (pp. 172-173). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004. ISBN: 972-635-155-3

Carlos Nogueira nasceu em Moçambique, em 1947. Estudou escultura na Escola Superior de Belas Artes do Porto e diplomou-se em pintura na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa. Se a escultura e a pintura são desde logo referências presentes nestes breves dados biográficos, cabe igualmente assinalar as acções performativas que marcaram a primeira fase da trajectória deste artista, que começou a expor em 1975 e realizou a sua primeira exposição individual em 1978.  Da década de setenta e também de oitenta datam muitas das intervenções em que Carlos Nogueira faz da experiência performativa e de manifestações que chamam o espectador a intervir o ponto central do seu trabalho. É o caso de os dias cinzentos/lápis de pintar dias cinzentos (Galeria Diferença): na noite de passagem do Inverno para a Primavera de 1979, decidiu oferecer ao público lápis de cor com uma etiqueta onde se podia ler «lápis de pintar dias cinzentos»,  destacando por intermédio dessa acção que decorreu em tempo real a sensibilidade poética que iria caracterizar todos os seus trabalhos posteriores. Nomeadamente nos trabalhos escultóricos que desenvolveu nos últimos trinta anos, procurando os seus temas  no mundo natural  - floresta, rio, água, céu, mar – e estabelecendo como base da sua prática artística a expressão de uma relação simbólica com o mundo. Reflexo disso são os muitos títulos e obras que consagra a estes temas: por exemplo, paisagens das terras do monte e da pele (Galeria Diferença, 1985), entre duas águas (Museu Nacional de Évora, 1992), as portas do rio te estão abertas (Assírio e Alvim, 1996) e ainda a intervenção de arte pública que realiza em 1993, uma floresta como um rio, com grandes mastros de aço pintados de branco que se dispunham num terreno contíguo à Avenida Calouste Gulbenkian, em Lisboa.
Emblemático do seu trabalho é também o uso de materiais do quotidiano e industriais – o ferro, o aço, o mosaico hidráulico, o vidro – aos quais confere poder de evocação poética e uma existência que, de lugar para lugar, remete simultaneamente a sua obra para o sentimento de corporalidade e imaterialidade, de peso e leveza, do íntimo e do infinito. Obra exemplar desse ponto de vista é beyond the very edge of the earth [até ao fim das terras todas] (1997/1998), instalação escultórica que executou no espaço urbano de Londres, na The Economist Plaza, e onde usou elementos construtivos, como o mosaico hidráulico, para construir um corredor em forma de «L» que mais parecia estar suspenso, e que pelas suas dimensões (6x3m) vinha colocar a questão da possibilidade (e da impossibilidade) de o espectador realizar o seu percurso.
Este mesmo material foi ainda usado pelo artista para conceber várias outras peças de geometria depurada que apresentou em espaços interiores, caso de construção com chão branco a partir de dentro (1997/1998), que integrou a exposição retrospectiva da obra do Arq.º Luís Cristino da Silva na Fundação Calouste Gulbenkian, e o conjunto de trabalhos exibidos no Pavilhão Branco no Museu da Cidade, por ocasião da sua exposição individual a noite e branco.
Em 2002, a Fundação Calouste Gulbenkian foi também o local escolhido para a realização da exposição individual que se intitulou a ver (1998/2002), onde Carlos Nogueira alia de forma exemplar a  prática escultórica do seu trabalho ao domínio da arquitectura e às noções de lugar e  paisagem. Nesta intervenção que faz hoje parte integrante da colecção do CAM, ele usou lajes de mármore, o ferro e o vidro espelhado para construir na sala de exposições temporárias uma verdadeira «paisagem» que tinha a particularidade de conferir novas coordenadas e novos horizontes àquele lugar. Assim após o espectador passar a antecâmara, o espaço expositivo abria-se-lhe ao olhar, encontrando na galeria uma área dividida longitudinalmente por uma vala onde se depositava cinza e carvão, um pavimento de mármore que dava a ilusão de estar em suspensão, bem como o som ambiente que colocava esta sala em diálogo com o espaço exterior. Nomeadamente com o jardim da Fundação, onde o artista captou os diversos sons que viriam a caracterizar pontualmente o ambiente desta instalação a que chamou «dentro», e para a qual desenhou um projecto ainda não realizado que se intitulou “do outro lado”, constituído por uma estrutura de grandes dimensões feita de «betão, pedra, carvão, ferro, vidro, céu, vento, sol e som dos jardins e dos aviões quando passam», segundo a sua própria descrição no catálogo que acompanhou a mostra. De resto é nos fragmentos escritos que acompanham os seus estudos que  Carlos Nogueira reafirma o ponto de partida da presente obra - «perceber a singularidade de cada lugar»  e «construir um espaço dentro e outro do outro lado tão autónomos como complementares».

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