Crítica da exposição colectiva O Poder da Arte, colecção de Serralves na Assembleia da República (12.01-16.04.2006), publicada na revista L+Arte, n. 22, Março 2006, p. 88 e 89.
O programa de itinerância de exposições da Fundação de Serralves, que abrange mostras inicialmente apresentadas no Museu ou a produção de propostas especificamente delineadas para novos espaços de acolhimento em diferentes localidades, tem sido desenvolvido com grande dinamismo pela instituição, e desempenhado um papel especialmente interessante: promover a arte contemporânea junto dos seus públicos e desenvolver apresentações parcelares do seu acervo, segundo diversos temas e percursos. A mais recente, que tem lugar no Palácio de São Bento, em Lisboa, intitula-se O Poder da Arte e assinala a primeira grande exposição de Serralves em Lisboa, bem como a continuidade de um programa de exposições de arte contemporânea desenvolvido pela Assembleia da República. A exposição mostra-nos 66 obras da autoria de 53 nomes da arte portuguesa e internacional, reunindo diferentes meios de expressão, como a pintura, a escultura, o vídeo e a instalação, numa iniciativa que propicia o encontro entre as esferas da arte e do poder político. Como o título indica, a ideia foi suscitar modos de confrontação novos com o fenómeno artístico, num espaço comum de acção participativa em que a função comunitária da arte e da política saem reforçadas.
Esse encontro faz desta exposição uma experiência de intercâmbio de ideias sobre os diferentes modos de entender as relações de poder. Algumas das obras expostas apresentam reflexões sobre a situação política, e um núcleo abrangente de reflexões sobre a condição humana, as questões da identidade e valores da sociedade contemporânea. Outra das marcas desta exposição é a apresentação de propostas que diversificam os pontos de vista acerca da relação entre a arte e a política e permitem superar o horizonte de tensões entre contrários que enquadra normalmente o regime estético da arte: aquele que opõe o entendimento da arte como realidade autónoma à esfera da arte comprometida, uma arte pela arte à criação artística ao serviço da intervenção política, uma arte do museu e dos lugares institucionais a uma arte da rua. No conjunto das peças apresentadas encontramos obras em que se evidenciam mais claramente ideias políticas ou sociais e outras em que a neutralidade e a autosuficiência do discurso artístico requer novas abordagens por efeito da natureza do espaço fisíco e simbólico que ocupam. Nesse sentido cabe salientar o próprio poder do contexto e da montagem da exposição em suscitar pontos de vista singulares sobre as obras de arte, bem como o poder da interpretação que, ao invés de reduzir o seu sentido a um desejado verdadeiro significado supostamente intrínseco à obra, enriquece a construção de novos sentidos e experiências únicas, sejam intelectuais ou emocionais.
Em relação às soluções de exposição encontramos obviamente algumas que são condicionadas pelas limitações naturais do espaço e pelas características da arquitectura e o peso do lugar, mas também outras que reflectem de forma eficaz o diálogo e o confronto entre os significados que possam ter os diversos espaços escolhidos do Parlamento e as obras de arte contemporânea seleccionadas para os ocupar. É o caso destas que gostaria de destacar: a peça de João Tabarra Barricades Improvisées (2001) mostrada no início do percurso, Posto de Observação/Atlas Coelestis V (1994) de Pedro Cabrita Reis situada na Sala dos Passos Perdidos, de Retrato de Família (1968) de José de Guimarães, exposta numa sala com murais alusivos a episódios dos Descobrimentos, Le Portugal, un Lieu à Decouvrir (1996) de Fernando José Pereira que surge na proximidade da agência de viagens do Parlamento e Amália Traída (2004) de Franceso Vezzoli, cuja instalação na sala de Conferências de Imprensa resulta na perfeição. Resta mencionar a excelente instalação de Pedro Portugal que ocupa a escadaria principal da Assembleia. Trata-se de Circuito de Manutenção (2006) em que o artista expõe um sinal fronteiriço e desenha a forma cartográfica do país com peças cilíndricas de madeira de eucalipto, numa alusão concreta à plantação desenfreada da árvore e ao horizonte político, social e cultural que nos define.