Crítica da exposição colectiva Depósito. Anotações sobre Densidade e Conhecimento na Reitoria da Universidade do Porto (27.01 a 30.06.2007), publicada na revista L+Arte, n. 35, Abril 2007.
Depósito. Anotações sobre Densidade e Conhecimento é uma iniciativa que mostra simultaneamente 570 peças seleccionadas a partir dos diferentes núcleos museológicos (Ciências Naturais, Engenharia, Medicina, Belas Artes, entre outros) da Universidade do Porto, bem como um conjunto de obras produzidas especialmente para esta mostra por artistas contemporâneos sobre os temas da exposição: o depósito, a colecção e o conhecimento científico.
Tal como em relação a muitas outras actividades que empreendemos na vida cultural contemporânea, a visita a uma exposição deveria avaliar-se mediante as reais repercussões que as suas propostas exercem em/sobre nós. Por exemplo, será certamente significativo averiguar o seu efeito a nível da comunicação, da produção de conhecimento, da forma de dar sentido ao que se mostra, da qualidade, e não tanto da quantidade de objectos expostos. De resto, não querendo retirar protagonismo ao papel dos artistas e às suas obras, a nova museologia vem defendendo que o projecto de exposição é um dos mais importantes recursos para o estabelecimento de uma base positiva de comunicação e de diálogo com os visitantes.
Após esta breve introdução, diria que, com esta sua nova exposição patente na Reitoria da Universidade do Porto, Paulo Cunha e Silva concebeu um projecto - centrado na ideia/imagem de depósito – que deu origem a uma mostra criativa com ambição intelectual, a qual provoca considerações sobre as áreas da museologia e da museografia, para além de outros campos do conhecimento.
Numa primeira abordagem, comecemos por referir a opção de construir o desenho da exposição, de organizar e colocar o seu espólio segundo a imagem de um depósito. Trata-se de uma zona do espaço, tradicionalmente dedicada à preservação das obras que os visitantes não vêem por não ser uma área de difusão das colecções ou objectos de interesse patrimonial. Assim, a opção pela zona de depósito confronta o espectador com uma realidade normalmente invisível no contexto das práticas museológicas.
Por outro lado, importa referir que o sistema expositivo usado na colocação dos objectos expostos reforça o desejo de reformular os discursos museológicos. Esta reafirmação e o reforço da abordagem interdisciplinar do pensamento contemporâneo e da sua perspectiva ensaística revelam-se através da adopção de uma instalação de dimensão monumental onde se dispõe uma panóplia de exemplares que marcam a evolução da história Natural ( dos minerais e rochas ao encéfalo humano) e Cultural (dos instrumentos de pedra lascada à obra de arte).
As aproximações dos artistas tomam igualmente diferentes perspectivas, disparando a reflexão em várias direcções: da evidência à sugestão, da explicitação à alusão. Os temas em questão diversificam-se, possuem derivações e implicações difíceis de congregar, mas na sua generalidade contêm a ideia de depósito, de colecções e museus. Está patente na obra de André Cepeda, de Eduardo Matos, de Mafalda Santos, de Nuno Ramalho, de Pedro Tudela, de Renato Ferrão, de Rita Castro Neves, de Sancho Silva, e ainda de Manuel Santos Maia, o qual apresenta “Alheava – para depósito”, com materiais em caixas reservas e depósitos museológicos pertencentes à série de trabalhos que realizou ao longo de sete anos sobre as vivências nas antigas colónias portuguesas e no processo de descolonização.
Se a interpelação com as peças dos museus foi um dos desafios propostos aos artistas, gostaria de salientar duas das peças mais estimulantes da exposição, dado o seu elogio à vida: Marta Menezes com “Conviver”, peça que – consistindo na instalação de uma obra de arte literalmente viva (a recriação de um ecossistema biológico num armário histórico do contexto museológico, habitualmente simples receptáculo de objectos inanimados) – coloca a questão das normas convencionais das colecções zoológicas e botânicas ou dos museus de arte, na apresentação de arte biológica, de obras com vida; João Leonardo com “Bank (White Cube)” – um cubo de 10 cm de esperma pertencente ao próprio artista que é exibido em estado sólido numa arca congeladora – que sugere três questões: a recente criação de um primeiro banco de esperma em Portugal pela Universidade do Porto; a condição solitária do ser contemporâneo; e a referência irónica ao legado da arte conceptual e minimal, tal como os múltiplos jogos linguísticos do título propõem.