COSMO/POLÍTICA #5

Comunidades Provisórias

Exposição: COSMO/POLÍTICA #5: Comunidades Provisórias
Artistas: Paulo Mendes, Susana Mouzinho e Tiago Baptista
Museu do Neo-Realismo
Datas: 2019-10-26 – 2020-02-23
Curadoria: Sandra Vieira Jürgens e Paula Loura Batista

Nesta quinta exposição do ciclo COSMO/POLÍTICA abordamos a criação de comunidades e de coletividades, aproximando o seu entendimento desde o espírito do movimento neorrealista até à atualidade. Nela o romance Gaibéus de Alves Redol, de 1939, ganha destaque, pela atenção concedida aos coletivos, assalariados e migrantes e a um empenhamento no conhecimento, na consciencialização e superação da sua condição. Oito décadas depois, importa convidar artistas contemporâneos a refletir sobre a sua ativação presente e projeção futura. Mantemo-nos na expectativa. Se permanece uma indiscutível ausência 

e alienação do sentido comunitário, de resignação e entorpecimento face aos migrantes e de exacerbada glorificação do individualismo decorrente do neoliberalismo, também sentimos a emergência de alternativas e diferentes formas de construir sentidos comuns pela defesa de um espírito coletivo, de união na defesa dos valores e direitos sociais. A partir da obra de Alves Redol interessa-nos reativar o sentido de muitas iniciativas culturais e artísticas que se desenvolveram nas décadas de trinta a cinquenta do século XX, em que através de iniciativas de dinamização cultural e coletividades se organizaram visitas, convívios, cursos, excursões, exposições, passeios que promoviam o encontro de expectativas comuns e forjavam comunidades desejáveis. Os acervos fotográficos do Museu Municipal de Vila Franca de Xira e do Museu do Neo-Realismo, os espólios literários do acervo documental deste mesmo museu, acervos filmográficos da Cinemateca Portuguesa, e demais documentação existente nas coletividades do concelho serão as fontes para a investigação dos artistas convidados.

PAULO MENDES

Na entrada do museu, a instalação Se estou meio morto é porque estou meio vivo (2019), de Paulo Mendes, integra referências históricas e culturais, literárias, cinematográficas e fotográficas associadas a contextos locais e à paisagem social e económica de Vila Franca de Xira.

Merecem destaque a obra de Alves Redol, assim como a de Carlos Oliveira, nomeadamente Pequenos Burgueses, da qual provém o título da instalação. A instalação construída especificamente para esta exposição evoca as palafitas, as casas dos avieiros, comunidade piscatória que ocupa(va) a paisagem das lezírias e do Tejo, vinda da região de Vieira de Leiria para a captura do sável, da saboga, da enguia. Com esta arquitetura provisória, feita com madeira, ferro, paletes, pneus e tijolos, o artista evoca os nómadas do rio Tejo, que Redol descreveu em Avieiros (1942), empregando na obra uma multiplicidade de materiais do acervo do Museu do Neo-Realismo, das oficinas da Câmara Municipal de Vila Franca de Xira, das comunidades de pescadores avieiros e dos estaleiros de construção civil da região. Recorrendo então a elementos fortemente imbricados na memória local, a par da organização geometrizada, racionalista e minimalista da arquitetura contemporânea, esta instalação impõe-se no espaço como uma ativação da memória das edificações ancestrais. Desestabilizando a leitura do espaço depurado do museu, ela evidencia processos construtivos de natureza efémera e orgânica, pouco planificados, aqui intencionalmente convocados no trabalho do artista, através de uma edificação aberta à informalidade e à improvisação da sua montagem.

TIAGO BAPTISTA

Na sala de arte contemporânea do Museu do Neo-Realismo, Tiago Baptista apresenta quatro pinturas: composições de paisagens e retratos, com que reflete metaforicamente sobre a presença e a inevitabilidade de fronteiras e barreiras, visíveis ou invisíveis, sejam elas relativas à estrutura social (condicionando, perpetuando e acentuando diferenças de classe e impossibilitando mudanças e processos de emancipação) ou à arquitetura, ao urbanismo e à organização dos territórios (condicionando os fluxos migratórios e a livre circulação de pessoas e de mercadorias). 

Sob o primeiro aspeto podemos salientar a obra Barreira (2019), que evoca a personagem do “ceifeiro rebelde” de Gaibéus, a narrar a história de um grupo de migrantes, “alugados” sazonalmente para a ceifa do arroz, que descem para as lezírias vindos do Alto Ribatejo e da Beira Baixa, sofrendo as injustiças e a subjugação (económica e sexual) dos latifundiários e a hostilidade dos “rabezanos”, trabalhadores ribatejanos que os desprezavam pela sua submissão ao patronato. Figura sem nome, esta personagem nómada (depurada na pintura de Tiago Baptista, baseada na capa da primeira edição do livro de Redol, onde surgia representada de saco enfiado no pau da enxada), com maior consciência social do que o falso coletivo dos Gaibéus, seria o alter-ego do escritor. A paisagem da Lezíria e do rio Tejo não é somente contemplação neste conjunto de pinturas. Em Indício (2019) e Ponte Petrificada (2019), elas evocam a paradoxal natureza das pontes e das autoestradas, que rasgam montanhas e separam ecossistemas e populações, facilitando fluxos de circulação mais acelerados, deixando marcas no urbanismo e na paisagem, criando problemas de sustentabilidade e equilíbrio ecológicos.

SUSANA MOUZINHO

Ainda na sala de arte contemporânea, Susana Mouzinho apresenta Aconteça no meio o que for [Happen what may in between] (2019), instalação vídeo em que evoca os gestos e movimentos dos elementos do grupo neorrealista, com incidência em Alves Redol. A sua atenção foca-se na circulação da escrita e na tomada de posição política, tendo como ponto de partida a abordagem etnográfica e artística, bem como ‘pedagógica’, num movimento de reciprocidade: o escritor também aprendeu com o povo a quem soube dar a ver. Na sala apresentam-se duas projeções alternadas: em uma delas, as imagens abstraem-se e fazem apelo a palavras, filmes e documentos. Convocam os processos, os momentos que referenciam os encontros supracitados, numa composição que remete para uma espécie de constelação transiente, em devir. Noutra projeção, o gesto performativo da leitura e da inscrição apropria-se da palavra para relançar a memória sobre um conjunto de citações da obra Gaibéus, reforçando a importância do encontro e da discussão e reflexão em torno deste.

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