Entrevista a Francisco Queirós, intitulada «Imagens Animadas».
Publicada na revista arq./a: Arquitectura e Arte, n. 17, Janeiro/Fevereiro 2003, pp. 80-83. ISSN: 1647-077X.
Nas suas obras Francisco Queirós usa as potencialidades técnicas e plásticas do vídeo para construir cenários de fantasia e pequenas narrativas, que simbolizam simultaneamente estados de inocência e de subtil agressividade.
Em relação à sua formação artística existe uma situação curiosa. Frequentou o curso de pintura em Belas Artes, mas nunca chegou a trabalhar nesse suporte?
Sim, nunca pintei. Aliás, pintei, mas isso foi na disciplina de desenho de modelo. Era apenas um exercício de escola. Mas nunca apresentei nenhum trabalho em Pintura, não éramos obrigados a pintar, só pintava quem queria. Eu só fiz trabalhos em vídeo e fotografia. Isto porque, quando entrei para o terceiro ano houve uma mudança de professores e uma abertura total em relação aos meios que podíamos trabalhar, tanto em pintura como em escultura.
Como explica o interesse da nova geração pelo vídeo? Está ligado a condições e referências da vossa formação, foi uma forma de acompanhar as inovações e evoluções tecnológicas, de afirmar o espírito experimental da vossa prática?
O nosso primeiro exercício obrigatório de Pintura consistia em construir uma narrativa com base em imagens captadas da televisão. A partir desse projecto, aproveitei a deixa e comecei logo a trabalhar em vídeo. Realizei o auto-retrato (1997). No fim do terceiro ano, e depois no quinto, também tivemos muitas sessões em que o Carlos Vidal fazia uma abordagem à arte mais actual, mostrando vídeos, fotografia, documentários, projecções de slides. O vídeo também era na altura uma coisa nova para nós, que dava para explorar.
E tinham material e condições para o fazer?
Existia material disponível na escola, mas era muito rudimentar, quase tão rudimentar como aquele que tínhamos em casa. Existiam dois vídeos, tínhamos uma mesa, mas nem sequer sabíamos trabalhar com ela. O modo de fazer resumia-se ao pause-play-stop e ao rec, e a muita paciência. O vídeo original do auto-retrato foi feito assim, com dois vídeos, com o pause e play, rebobina, rec e pause. Não tínhamos os meios de hoje.
Em termos de obras de artistas plásticos quais são as suas referências?
Posso lembrar-me de alguma peça, mas tenho uma atitude de «turista»: é ir ver, gostar ou não, e ir embora. O único material que tenho agora são os catálogos das exposições em que participo.
Dá importância ao factor tecnológico na construção do trabalho? Qual é a sua influência na elaboração das obras?
Actualmente, dou-lhe mais importância. E a explicação é simples: gosto de aprender a trabalhar com os programas para poder resolver problemas futuros; e assim, cada novo trabalho é para mim uma hipótese de aprendizagem. Hoje em dia, ainda tenho muita coisa para aprender, mas já domino mais as ferramentas. No entanto, não pretendo que os meus vídeos sejam perfeitos, nem que sejam obras primas. Não me interessa a perfeição. Eles estão cheios de «erros», porque os quero assim. Quero que tenham um ar comum e que se note que aquilo foi feito por uma pessoa. Às vezes não me custava nada alterar e fazer bem os acabamentos na última revisão, mas basta-me que a ideia esteja lá.
Nas obras mais recentes tem vindo a substituir a projecção vídeo pela apresentação de diferentes elementos e objectos numa mesma instalação. Podemos falar de uma nova direcção no seu trabalho?
Na produção do vídeo há sempre coisas novas para aprender, mas hoje, já acho que domino mais ou menos a técnica. Enquanto se está a aprender é tudo maravilhoso, existe motivação, agora quando se domina, perde a graça. Torna-se um trabalho fácil e pouco surpreendente, tanto no fazer como na parte final de apresentação da obra. Com os últimos trabalhos, tratei de usar meios a que não estou habituado e aumentar o grau de dificuldade e de desafio. Quero chegar à montagem com o coração nas mãos.
Por outro lado, a certa altura o carácter pulsional das primeiras obras deu lugar a uma abordagem mais lúdica e de certa maneira mais metafórica. Fale-me um pouco do lado mais pessoal dos projectos. A referência ao universo infantil está relacionada com o facto de ser pai?
Sim, acho que tudo mudou desde que ele nasceu. No início, os trabalhos eram mais violentos e mais crus. Depois houve uma mudança: passámos dos ursinhos a ejacular para a canção infantil do melro. A mudança foi natural... Mas também se deu com a aprendizagem da técnica, e com o facto de já ter mais meios para trabalhar e para explorar coisas novas.
Tratou-se de sublimar essas tendências, uma vez que a agressividade e a violência passaram a ser exploradas sob o plano da inocência e com recurso ao comportamento infantil?
As peças anteriores eram todas escolares e funcionaram basicamente como uma busca em relação ao que queria fazer. Agora, a partir do melro [friezenwall #2 v.2.3 – tiny little movie (2000)], a ironia e a violência tornaram-se características constantes do meu trabalho. Gosto das tensões por elas produzidas. Ainda que possam não surgir evidenciadas de forma explícita. Em alguns trabalhos a utilização de ambientes fantásticos permite-me subverter as regras e aumentar proporcionalmente as tensões existentes.
E o que é que espera do espectador?
Um sorriso. Gosto de ver as pessoas a esboçar um sorriso.
Francisco Queirós nasceu em 1972, em Lisboa. Estudou Artes Plásticas – Pintura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa. Desde a segunda metade da década de noventa, vem partipando em diversas exposições colectivas, onde se destacam: (A)Casos (&)Materiais #1 e #2 (Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, 1998-1999), III Bienal AIP – A Escolha dos Críticos (Europarque, Santa Maria da Feira, 1998), Bienal da Maia 99 (Maia, 1999), W.C. Container – House of Pain (Edifício Artes em Partes, Porto, 1999), Arritimia (Mercado Ferreira Borges, Porto, 2000), NonStopOpening Lisbon (Galeria Zé dos Bois, Lisboa, 2000), Disseminações (Culturgest, Caixa Geral de Depósitos, Lisboa, 2001), UrbanLab - Bienal da Maia (Maia, 2001), Experimenta Design (Milão, Londres e Lisboa, 2001), Squatters/Ocupações (Fundação de Serralves, Porto, 2001), Sparring Partners Academy Art Collection (Galeria Zé dos Bois, Lisboa, 2001), BR2002 (Braga, 2002), Colecção CGD. Arte Contemporânea - novas aquisições (Culturgest, Porto, 2002), Under Surveillance/Sob Vigilância (Fábrica da Pólvora, Oeiras, 2002), Cinevideo X (Olho, Gingal, 2002) e Too Drunk to Fuck – Bad Karma (Lisboa, 2002). No estrangeiro, exibiu o seu trabalho em Southern Exposure (Galeria ZDB, Sister Spaces, San Francisco, Estados Unidos, 2000), Plano XXI - Portuguese Contemporary Art (Intermedia Gallery, Glasgow, 2000), XXVI Bienal de Pontevedra (Pazo da Cultura, Pontevedra, 2000), High Input Low Noise (Eesti Kunstimuuseum/Rotermanni Soolalaos, Tallinn, Estonia, 2001), The 1st Valencia Biennial – VideoRom (Valencia, 2001), VideoRom (Galerie de Toit du Monde/Veney/Suiça, Gian Carla Zannuti Gallery/Milão, Gallery of Modern and Contemporary Art/Bergamo, Museo Arte Contemporanea/Roma, 2002), Expect the world, moi non plus (Sparwasser HQ e Parkhaus, Berlim, 2002), Video Zone - The 1st International Video Art Biennial in Israel (Tel Aviv, 2002). Francisco Queirós apresentou o seu trabalho a título individual no âmbito do projecto SlowMotion na Escola Superior de Tecnologia, Gestão, Arte e Design (ESTGAD, Caldas da Rainha) e na Fundação Calouste Gulbenkian (2002), e realizou a mostra white rabbit (long live the rabbit), na Galeria Marta Vidal (Porto, 2002).